Giulia Benincasa é graduanda em letras pela UFRJ e autora do livro Ecolalia, que saiu em 2021 pela editora Urutau.
Ode
ana – antes é preciso
botar todos os anéis ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ(entra a orquestra)
pensei em você e tive vontade
de comprar um vestido todo branco solto ㅤㅤㅤㅤvocê precisa tomar um sorvete
e caminhar
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤme ver de perto
caminhando penso
onde você esteve tinha sol
tinha gente muita gente andando
ana, você quem me ensinou a andar no meio da gente ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤcomigo vai tudo azul
e isso é das coisas mais bonitas que tem se pra aprender ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤcontigo vai tudo em paz
ainda existe aquela caixinha?
espalhávamos tudo pela cama
rindo rindo uma vez você pegou no sonoㅤㅤㅤㅤbaby, há quanto tempo
eu não sei dormir de tarde fiquei te olhando
tinha muita coisa pelo chão deitei lá você acordou ㅤㅤㅤㅤㅤㅤvivemos na melhor cidade
não sei que horas nós saíamos a qualquer hora ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ da américa do sul
nem tínhamos idade mas você
tinha tempo na língua
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤvocê precisa aprender o que eu sei
ana, faço simpatia pra te invocar:
boto anéis nos dedos das mãos pra saber olhar
boto anéis nos dedos dos pés pra saber um pouco ㅤㅤㅤㅤe o que eu não sei
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ ㅤㅤㅤ mais
eu e meu irmão nadando no mar grande
o frio faz com que as coisas pesem
exemplo:
nos dias brancos as abelhinhas voam mais baixo
quanto maior a altura maior a
probabilidade de asinhas congeladas e portanto
queda
entretanto
por sermos duas abelhinhas zunindo
ainda tão perto do chão
eu te deixo ir na frente a sede é maior
nos mais novos
estou atenta
às suas asas (uma vez você se afogou, não me esqueço)
mesmo que elas já batam mais fortes que as minhas
ainda é meu dever estar de guarda
porque abelhinhas tão jovens assim
são tesouro do destino
anúncio de calor
e veículo de tudo
aquilo que floresce
veja
uma cidade
uma cidade muito pequena
uma cidade muito pequena com casinhas brancas
uma cidade muito pequena com casinhas brancas onde envelhecem crianças e cachorros
me deixei triste de novo.
Ilustração: The Golden Age of Childhoold de Katharine Forrest Hamill (1906).